A Terra Plana e a reentrada dum satélite

Todos sabemos que a Terra é Plana e por isso decidi calcular a reentrada dum satélite na sua atmosfera. A 2 de Abril (2018) a 1a Estação Orbital do Programa Espacial Chinês (Tiangong 1) entrou na atmosfera num fenómeno rápido e muito luminoso, depois de se  perder o controlo (quebra de comunicações) da sua trajectória usando os propulsores.

A densidade da massa ρ em função da altitude h (km).

Todos os satélites em Órbita Terrestre Baixa (Low Earth Orbit) estão sujeitos à força de arrasto aerodinâmico, produzido pelo embate continuado na atmosfera terrestre, ainda que com baixa densidade \((kg/m^3)\) (Handbook of Geophysics, 1985). Por isso, a constante perda de energia cinética (por atrito de fluido) baixa-lhe a órbita, fazendo-o entrar numa zona mais densa do ar, que aumenta o atrito, perde-se ainda mais energia… e cai-nos na sopa!

Estas são as equações mais simples do movimento: O corpo entra na alta atmosfera com velocidade \(v_0\approx 8\ km/s\) de inclinação \(i\lesssim\rm 0^o\) à horizontal e sujeito a duas forças: a gravítica \(F_g\) que é sempre na vertical e a de atrito aerodinâmico \(F_{at}\) que é sempre contrária ao vetor velocidade. As expressões são: \(F_g=\frac{G\cdot M_T}{(R_T+h)^2}\) onde \(R_T\) e \(M_T\) são os valores do raio e massa da Terra, respectivamente, e \(h\) é a altitude do corpo. A força de atrito é \(F_{ar}=-\frac{1}{2}C_d A_e  \rho_{ar} v^2 \), onde \(C_d\approx 1,9\) é o coeficiente para choques, difusão e absorção das moléculas do ar e depende da forma do objeto (pode ser mais ou menos aerodinâmico); \(A_e\) é a secção reta (área) de embate no ar (\(=\pi R^2\) se for esférico) e \(\rho_{ar}\) é a densidade mássica do ar à altitude do corpo; Muito importante: \(F_{ar}\) aumenta com \(v^2\) do corpo. Para ter as equações do movimento divide as forças pela massa do corpo \(m_c\) e tem as acelerações respetivas. Depois, só falta integrar as equações com as condições iniciais e ver que trajetória segue até bater no chão. NOTA: a Terra é Plana (acredite).

O Aquecimento do Corpo na Reentrada

Calcula-se o aumento de temperatura \(d\ T_c\) no corpo que reentra considerando que: uma fração \(\Lambda\approx0,5\) da energia cinética \(\overset{.}{E_c}\) das moléculas que lhe embatem por segundo (na área de embate \(A_e\)) é transferida para o corpo. Mas ele radia calor em toda a superfície \(A_t\) pela Lei de Stefan Boltzmann, \(\epsilon\ A_t\ \sigma\ (T_c^4-T_{amb}^4)\), onde \(\epsilon\) é a emissividade do material. Sendo \(c\) o calor específico do satélite (\(J\cdot kg^{-1}.\rm^o\!C^{-1}\)), a equação da variação da temperatura é: \(m_c c \frac{d\ T_c}{d\ t}=\Lambda \overset{.}{E_c} – \epsilon\ A_t\ \sigma\ (T_c^4-T_{amb}^4)\)

A Terra Plana e as vacas esféricas

Todos sabemos que a Terra é Plana: tal observa-se quando se vai de avião, e é ver para crer! Quem duvida fique a saber que nas aulas, ao calcular o campo gravítico duma vaca (na Terra Plana) considera-se que é esférica, sem perda de exatidão. A cabeça e as patas são pequenos desvios à forma esférica. Como já o/a convenci disto… a Terra é Plana e o resultado destas equações e simplificações está no gráfico seguinte:

A reentrada quase que segue a parábola habitual duma queda livre (tracejado roxo), até cerca dos 80 km de altitude, quando surge a aceleração aerodinâmica \(a_{drag}\) de fricção (a cor verde e tracejado), devido à maior densidade atmosférica. A temperatura (a curva vermelha) sobe e atinge o máximo aos 50 km de altitude quando é máxima a quantidade de ar a bater-lhe por segundo. Como a velocidade diminui a partir daqui, leva à diminuição da temperatura apesar da densidade atmosférica ir aumentando. As altas temperaturas provocam ablação e fragmentação dos materiais, coisas que neste modelo físico não se consideraram. Note que desde os 25 km de altitude a queda é quase vertical.

Resultados: o tempo de queda é muito curto a comparar com a realidade. O que se passa é que a Terra deve ser esférica (algumas pessoas acreditam nisso, e bem) e a trajetória parabólica não existe mesmo na realidade: quando o satélite se aproxima da Terra, a curvatura desta mantém o satélite quase à mesma altura ao solo, levando-o a permanecer muito tempo na alta atmosfera e desgastando-o mais, quando ainda está a 90 km de altitude. É aí que começa o seu aquecimento e estas curvas alteram-se todas. Prova: neste modelo o satélite passa apenas 1 ou 2 minutos entre os 200 e os 160 km de altitude mas, na realidade, a Tiangong 1 demorou vários dias nesta zona.

Conclusões: 1) a Terra é esférica mas nas aulas fazemos contas como se fosse Plana e muita gente acredita nisso, havendo provas (erradamente, claro). 2) Faz falta um modelo de geometria esférica para estudar estas quedas, mas isso fica para os próximos episódios. 3) No modelo da Terra esférica (a realidade), as vacas são melhor descritas por cilindros semi-infinitos. Esta é a verdade… para quem sabe Física.