As pilhas AAA dos Jedi

As naves Imperiais [música de fundo: tcham, tcham, tcham tcham tcham…] mantinham o bloqueio e asfixiavam o pobre planeta. Chamaram-se os Cavaleiros Jedi para dialogarem com a Federação do Comércio Galáctico, mas são aprisionados na sala de conferências. Sentindo na Força um desfecho não amigável, o Qui Gon Jin puxa do seu Sabre de Luz feito em casa e… êh pá, é aqui que “a porca torce o rabo”, como diz um bom alentejano.

As três portas de aço entre-cruzadas cerram-se num ápice, deixando um bloco de aço de espessura \(e=0,8\) metros, resistente a explosões, a separá-los duma fuga possível. “Use the Force, Luke” passa pela mente enquanto o sabre de luz, feito de não sei quê, é enterrado no aço e começa a fundi-lo… a sério! A imagem em cima é a prova evidente disso, para as mentes mais cépticas que não acreditam. O plano está urdido e é executado: tem de abrir-lhe um buraco de 1,5 metros de diâmetro (pelo menos) para saírem dali, saltando por cima da massa de ferro fundido que cair no chão.

A Federação do Comércio Galáctico aguarda apreensiva o que os Jedi farão à sua porta blindada.

A Física da Porta Derretida

Assumindo que as portas são de aço inox, primeiro, é preciso aquecê-lo aos ≈1510 °C para o fundir (depende da liga). Temos uma massa total de \(m_p=\rho_{aço}\cdot \pi R_{porta}^2\cdot e\). Como \(\rho_{aço}=7.740\rm\ kg/m^3\) obtém-se \(m_p=10.942\rm\ kg\) para a massa da porta.

Capacidade Térmica Mássica do aço entre os 20°C e os 1535 °C

A energia total para aquecer estas 11 toneladas de aço, a começar na temperatura ambiente e até à de fusão, calcula-se como:

\(E_{aq}=\int_{20}^{1510} m_p\ c(T)\ d T\)

Assumindo que a capacidade térmica mássica1 varia linearmente dos 20°C aos 1535 °C (figura), o integral dá a energia total \(E_{aq}=9,25\times 10^9\rm\ J = 9,25\ GJ\) para aquecê-lo até à fusão.

Mas ainda falta fundi-lo. Neste processo, que é uma transição de fase (sólido -> líquido), é preciso fornecer energia para quebrar as ligações da rede cristalina, processo este que mantém a temperatura constante (isotérmico). Como a entalpia de fusão2 do aço \(H_{f}=272,5\rm\ kJ/kg\) (energia necessária a cada quilograma de aço), a energia total requerida pra fundir as 11 toneladas é \(E_{fusão}=m_p\ H_f=2,98\times 10^9\rm\ J = 2,98\ GJ\).

Conclusão: para fundir um buraco na porta de aço que permita aos nossos heróis sair daquela sala, precisam de gastar um total de: \(E_{tot}=12,23\rm\ GJ\).

A Potência do Sabre de Luz Jedi

Ora, os nossos heróis tinham apenas 2 minutos para derreter a porta e sair dali, para não enfrentarem um exército inteiro de droids armados até aos dentes. Isto implica que a energia total tem de ser fornecida nestes 2 minutos. Logo, a potência fornecida pelas pilhas AAA que estão no Sabre é \(\Rightarrow P_{tot}=\frac{E_{tot}}{120} = 1,02\times 10^8\rm\ J/s = 102\rm\ MW\).

É muito ou é pouco? A Central Termoeléctrica do Ribatejo (no Vale do Carregado, que entrou em funcionamento em 2004) produz 1200 MW de potência em energia elétrica. Quer dizer que o Sabre de Luz do Qui Gon Jin precisa de 102/1200= 8,5% da potência total desta Central, para conseguir derreter a porta de aço em 2 minutos. Espectacular!! também quero umas pilhas AAA desta capacidade.

Epílogo

O meu sabre de luz é uma cópia exata e funcional do sabre do Darth Maul e tem 3 pilhas AAA. Daí concluí que o do Qui Gon Jin também as terá. Muito entusiasmado com estes resultados, liguei-o e encostei-o à porta de casa para a derreter (a bem da ciência). Por volta da meia noite a temperatura da porta já tinha variado de (0 ±1) °C, pelo termómetro.

Há algo de errado com as minhas pilhas mas tenho continuado a tentar. Reportarei os sucessos neste projeto dentro em breve, porque comprei novas pilhas recarregáveis e senti uma voz dentro de mim que me deu ânimo: use the Force, Rui

calor específico
2 anteriormente designado por calor latente

A Terra Plana e a reentrada dum satélite

Todos sabemos que a Terra é Plana e por isso decidi calcular a reentrada dum satélite na sua atmosfera. A 2 de Abril (2018) a 1a Estação Orbital do Programa Espacial Chinês (Tiangong 1) entrou na atmosfera num fenómeno rápido e muito luminoso, depois de se  perder o controlo (quebra de comunicações) da sua trajectória usando os propulsores.

A densidade da massa ρ em função da altitude h (km).

Todos os satélites em Órbita Terrestre Baixa (Low Earth Orbit) estão sujeitos à força de arrasto aerodinâmico, produzido pelo embate continuado na atmosfera terrestre, ainda que com baixa densidade \((kg/m^3)\) (Handbook of Geophysics, 1985). Por isso, a constante perda de energia cinética (por atrito de fluido) baixa-lhe a órbita, fazendo-o entrar numa zona mais densa do ar, que aumenta o atrito, perde-se ainda mais energia… e cai-nos na sopa!

Estas são as equações mais simples do movimento: O corpo entra na alta atmosfera com velocidade \(v_0\approx 8\ km/s\) de inclinação \(i\lesssim\rm 0^o\) à horizontal e sujeito a duas forças: a gravítica \(F_g\) que é sempre na vertical e a de atrito aerodinâmico \(F_{at}\) que é sempre contrária ao vetor velocidade. As expressões são: \(F_g=\frac{G\cdot M_T}{(R_T+h)^2}\) onde \(R_T\) e \(M_T\) são os valores do raio e massa da Terra, respectivamente, e \(h\) é a altitude do corpo. A força de atrito é \(F_{ar}=-\frac{1}{2}C_d A_e  \rho_{ar} v^2 \), onde \(C_d\approx 1,9\) é o coeficiente para choques, difusão e absorção das moléculas do ar e depende da forma do objeto (pode ser mais ou menos aerodinâmico); \(A_e\) é a secção reta (área) de embate no ar (\(=\pi R^2\) se for esférico) e \(\rho_{ar}\) é a densidade mássica do ar à altitude do corpo; Muito importante: \(F_{ar}\) aumenta com \(v^2\) do corpo. Para ter as equações do movimento divide as forças pela massa do corpo \(m_c\) e tem as acelerações respetivas. Depois, só falta integrar as equações com as condições iniciais e ver que trajetória segue até bater no chão. NOTA: a Terra é Plana (acredite).

O Aquecimento do Corpo na Reentrada

Calcula-se o aumento de temperatura \(d\ T_c\) no corpo que reentra considerando que: uma fração \(\Lambda\approx0,5\) da energia cinética \(\overset{.}{E_c}\) das moléculas que lhe embatem por segundo (na área de embate \(A_e\)) é transferida para o corpo. Mas ele radia calor em toda a superfície \(A_t\) pela Lei de Stefan Boltzmann, \(\epsilon\ A_t\ \sigma\ (T_c^4-T_{amb}^4)\), onde \(\epsilon\) é a emissividade do material. Sendo \(c\) o calor específico do satélite (\(J\cdot kg^{-1}.\rm^o\!C^{-1}\)), a equação da variação da temperatura é: \(m_c c \frac{d\ T_c}{d\ t}=\Lambda \overset{.}{E_c} – \epsilon\ A_t\ \sigma\ (T_c^4-T_{amb}^4)\)

A Terra Plana e as vacas esféricas

Todos sabemos que a Terra é Plana: tal observa-se quando se vai de avião, e é ver para crer! Quem duvida fique a saber que nas aulas, ao calcular o campo gravítico duma vaca (na Terra Plana) considera-se que é esférica, sem perda de exatidão. A cabeça e as patas são pequenos desvios à forma esférica. Como já o/a convenci disto… a Terra é Plana e o resultado destas equações e simplificações está no gráfico seguinte:

A reentrada quase que segue a parábola habitual duma queda livre (tracejado roxo), até cerca dos 80 km de altitude, quando surge a aceleração aerodinâmica \(a_{drag}\) de fricção (a cor verde e tracejado), devido à maior densidade atmosférica. A temperatura (a curva vermelha) sobe e atinge o máximo aos 50 km de altitude quando é máxima a quantidade de ar a bater-lhe por segundo. Como a velocidade diminui a partir daqui, leva à diminuição da temperatura apesar da densidade atmosférica ir aumentando. As altas temperaturas provocam ablação e fragmentação dos materiais, coisas que neste modelo físico não se consideraram. Note que desde os 25 km de altitude a queda é quase vertical.

Resultados: o tempo de queda é muito curto a comparar com a realidade. O que se passa é que a Terra deve ser esférica (algumas pessoas acreditam nisso, e bem) e a trajetória parabólica não existe mesmo na realidade: quando o satélite se aproxima da Terra, a curvatura desta mantém o satélite quase à mesma altura ao solo, levando-o a permanecer muito tempo na alta atmosfera e desgastando-o mais, quando ainda está a 90 km de altitude. É aí que começa o seu aquecimento e estas curvas alteram-se todas. Prova: neste modelo o satélite passa apenas 1 ou 2 minutos entre os 200 e os 160 km de altitude mas, na realidade, a Tiangong 1 demorou vários dias nesta zona.

Conclusões: 1) a Terra é esférica mas nas aulas fazemos contas como se fosse Plana e muita gente acredita nisso, havendo provas (erradamente, claro). 2) Faz falta um modelo de geometria esférica para estudar estas quedas, mas isso fica para os próximos episódios. 3) No modelo da Terra esférica (a realidade), as vacas são melhor descritas por cilindros semi-infinitos. Esta é a verdade… para quem sabe Física.

A Tiangong1 vai cair-lhe na sopa?

Em Junho de 2016 o laboratório espacial chinês Tiangong 1 deixou de comunicar e, por isso, a agência espacial Chinesa ficou impossibilitada de controlar a atitude desta nave. Tem a massa de 8,5 toneladas, sem combustível fica-se pelas 7,5 ton, e andava pelos 350 a 400 km de altitude. Agora está em órbitas descendentes, de aproximação à Terra.

Altitude em função da data e previsão (a 31-mar) do dia da reentrada na atmosfera da Tiangong 1

A velocidade linear \(v\) (numa órbita circular) e a uma altitude \(h\) da superfície da Terra, é calculada como \(v=\sqrt{\frac{G\cdot M_T}{R_T+h}}\) e o período orbital \(P=\frac{2\pi}{\sqrt{G\cdot M_T}}(R_T+h)^{3/2}\). Com os valores do raio \(R_T\) e massa \(M_T\) da Terra, deduz-se que para  \(h=190 \) km de altitude \(v\approx 28.040 \) km/h e  \(P\approx 88 \) minutos. No dia 30 março a altitude era de 189,5 km, anunciado pela agência China Manned Space.

A trajetória está num plano inclinado ao equador que faz a Tiangong atingir as latitudes de ±42,8°, locais onde a trajetória dura mais tempo. A ESA juntou estes dados e apresentou-os num mapa (imagem no cabeçalho) onde o gráfico à direita tem as probabilidades da sonda cair numa latitude de valor \(\varphi\).

A pergunta fundamental é: Será que vai cair-me no prato da sopa?

Probabilidade de queda da nave em função da Latitude

Retirei da imagem da ESA a probabilidade em função da latitude e depois normalizei-a a 100%, para a banda entre os ±42,8°. Depois calculei a probabilidade da nave cair entre paralelos de latitudes máxima (\(\small \varphi_{max}=41° 50’\)) e mínima (\(\varphi_{min}=37°\)), de Portugal continental e Açores, o que dá \(prob=9,38\)%. Mas isto é a probabilidade dela cair ao longo de toda a área entre estes paralelos.

Portugal é só uma pequena parte desta área. Calcula-se o valor duma área na superfície planetária, limitada pelas longitudes \(\lambda_{max}\) e \(\lambda_{min}\) e latitudes antes indicadas como: \(area=R_T^2 (\lambda_{max}-\lambda_{min})(\sin(\varphi_{max})-\sin(\varphi_{min}))\). Isto leva a que a área de Portugal continental (como ≈retângulo) seja de \(104.080\ km^2\) (por excesso) e a totalidade entre os nossos paralelos seja de \(1,6653\times 10^7\ km^2\). Assim, a probabilidade da nave cair em Portugal é apenas de \(9,38\times\frac{104.080}{1,6653\times10^7}=0,059\) %.

Resumindo: não, não vai cair-lhe a na sopa… a menos que tenha muito azar. Boa sorte!