2001 Odisseia no Espaço: a Estação Espacial

Stanley Kubrick estreou o filme “2001 A Space Odyssey” a 2 de abril de 1968, com um futurismo recheado de emoções de coisas da época, mas também impregnado duma estética estonteante. Veja-se a nave dançar em sintonia com a Estação Espacial, no compasso ternário do “Danúbio Azul”: fica-se estarrecido com tamanha beleza que até nos apaixonamos pela frieza dum espaço agreste e incólume, onde não se pode viver.

O filme contém ficção pura e dura mas, por outro lado, tem facetas de boa ciência; terá sido o primeiro filme a tratar bem as coisas do Espaço. Mas esta história tem raízes noutros lados. A NASA tinha o programa Apollo a decorrer desde 1963, para irem à Lua com homens. A 21-dez-68 é lançada a Apollo 8, a primeira que orbita a Lua e a fotografa em detalhe, em preparação da alunagem da Apollo 11 a 20-jul-1969. O povo dos USA vivia e vibrava nestes grandes momentos, enquanto se criava o imaginário espacial.

Desenho de Chelsey Bonestell no artigo de Wernher von Braun na Retro-Futurism (3-1952, pg. 25)

Wernher von Braun tinha sido engenheiro das bombas voadoras V2 e foi capturado pelo exército americano no final da II Guerra Mundial, na Alemanha. Comandava o programa de desenvolvimento dos foguetões da NASA e na década de 1950 defende a exploração do espaço. Num artigo seu na revista Retro-Futurism (mar/1952), escreve que em dez ou quinze anos a NASA poderia colocar esta Estação Espacial a orbitar o planeta, a 1730 km de altitude (com 76 m de diâmetro), para garantir a paz e unir os povos. E porquê? É que faz falta uma força igual à “gravítica” para manter a saúde do ser humano no espaço.

A rotação da Estação Espacial e o “2001 Odisseia no Espaço

O cálcio no corpo humano apenas se fixa ao tecido ósseo porque estamos sujeitos a uma aceleração gravítica de \(g=9,\!8\rm\ m/s^2\). Assim, quem está na ISS (International Space Station) sofre osteoporose acelerada. O mesmo acontece a bordo do Millennium Falcon ou cruzador Imperial (Star Wars) e na Enterprise (Star Trek). A solução é criar uma força centrífuga que pressione o corpo contra o chão, o qual responde no corpo com uma força centrípeta igual à gravítica terrestre. É disso que o nosso corpo precisa.

As contas são simples. A aceleração centrípeta num movimento circular e uniforme de raio \(R\) e velocidade angular \(\omega\) é calculada por: \(a_c=g=R\omega^2 \Rightarrow \omega=\sqrt{g/R}\). Para \(R=38\rm m\) (von Braun) obtém-se \(\omega=29,\!6\rm^o/s = 4,\!9\ rpm\). Parece bom? a velocidade linear nesta zona é de 68 km/h, ou seja, não se pode chegar lá e agarrar com as mãos.

No filme 2001 estimo que a Estação Espacial tenha \(R\approx100\rm\ m\) o que dá a velocidade angular \(\omega=17,\!9\rm^o/s = 3\ rpm\) o que permite viver bem. Porém, a velocidade linear no extremo (\(v=\omega\cdot R\)) sobe para 112,7 km/h. Ora, tudo isto está bem pensado no filme: a atracagem da nave da (extinta) Pan American faz-se no eixo central da Estação a quase 0 km/h, mas tem de rodar à mesma velocidade angular de 3 rpm. É uma delícia. Reveja o filme em cima, com valsa de Johann Strauss. Note a baía de atracagem e como o “Star Wars” copiou a ideia muitos anos depois. Veja como as pessoas aparecem sentadas nas bases inferior e superior mas viradas para o eixo de rotação, devido à força centrípeta.

Outros filmes de ficção científica

Os filmes “The Martian” e “Interstellar“, ambos com o apoio de cientistas (NASA e Kip Thorne), têm naves que poderiam voar bem e dar apoio centrífugo aos humanos. Ideia igual é usada no “Elysium” onde uma enorme estação espacial é habitada por pessoas. Mas no 2001 a mesma estrutura aparece na nave Discovery One, que leva os astronautas Dr. David Bowman e Dr. Frank Poole em animação suspensa, mas numa estrutura circular que roda. Permite ao corpo passar anos no espaço, sem osteoporose e bons músculos.

David Bowman treina os músculos, no jogging em redor da Discovery One, a caminho de Júpiter.

Ficam de fora as naves doutros filmes de Sci-fi pois não há máquinas para “liga a gravidade que queremos estar em pé“. Para isso só há massa e a das naves é irrisória.

O HAL 9000

Na viagem a Júpiter na senda do Monólito descoberto na Lua, que traz inteligência aos seres, cria-se um confronto entre humanos e máquina. É um dos tópicos centrais do 2001. A humanidade e retidão, ou não, da Inteligência Artificial aqui envolvida não podia ser mais premente agora (como tem sido) do que foi em 1968, quando a IBM dominava o mundo todo com os seus computadores, mas a capacidade cibernética era bem limitada.

Não perca o próximo episódio, que eu também não.  Só não sei é quando vou escrevê-lo.

As pilhas AAA dos Jedi

As naves Imperiais [música de fundo: tcham, tcham, tcham tcham tcham…] mantinham o bloqueio e asfixiavam o pobre planeta. Chamaram-se os Cavaleiros Jedi para dialogarem com a Federação do Comércio Galáctico, mas são aprisionados na sala de conferências. Sentindo na Força um desfecho não amigável, o Qui Gon Jin puxa do seu Sabre de Luz feito em casa e… êh pá, é aqui que “a porca torce o rabo”, como diz um bom alentejano.

As três portas de aço entre-cruzadas cerram-se num ápice, deixando um bloco de aço de espessura \(e=0,8\) metros, resistente a explosões, a separá-los duma fuga possível. “Use the Force, Luke” passa pela mente enquanto o sabre de luz, feito de não sei quê, é enterrado no aço e começa a fundi-lo… a sério! A imagem em cima é a prova evidente disso, para as mentes mais cépticas que não acreditam. O plano está urdido e é executado: tem de abrir-lhe um buraco de 1,5 metros de diâmetro (pelo menos) para saírem dali, saltando por cima da massa de ferro fundido que cair no chão.

A Federação do Comércio Galáctico aguarda apreensiva o que os Jedi farão à sua porta blindada.

A Física da Porta Derretida

Assumindo que as portas são de aço inox, primeiro, é preciso aquecê-lo aos ≈1510 °C para o fundir (depende da liga). Temos uma massa total de \(m_p=\rho_{aço}\cdot \pi R_{porta}^2\cdot e\). Como \(\rho_{aço}=7.740\rm\ kg/m^3\) obtém-se \(m_p=10.942\rm\ kg\) para a massa da porta.

Capacidade Térmica Mássica do aço entre os 20°C e os 1535 °C

A energia total para aquecer estas 11 toneladas de aço, a começar na temperatura ambiente e até à de fusão, calcula-se como:

\(E_{aq}=\int_{20}^{1510} m_p\ c(T)\ d T\)

Assumindo que a capacidade térmica mássica1 varia linearmente dos 20°C aos 1535 °C (figura), o integral dá a energia total \(E_{aq}=9,25\times 10^9\rm\ J = 9,25\ GJ\) para aquecê-lo até à fusão.

Mas ainda falta fundi-lo. Neste processo, que é uma transição de fase (sólido -> líquido), é preciso fornecer energia para quebrar as ligações da rede cristalina, processo este que mantém a temperatura constante (isotérmico). Como a entalpia de fusão2 do aço \(H_{f}=272,5\rm\ kJ/kg\) (energia necessária a cada quilograma de aço), a energia total requerida pra fundir as 11 toneladas é \(E_{fusão}=m_p\ H_f=2,98\times 10^9\rm\ J = 2,98\ GJ\).

Conclusão: para fundir um buraco na porta de aço que permita aos nossos heróis sair daquela sala, precisam de gastar um total de: \(E_{tot}=12,23\rm\ GJ\).

A Potência do Sabre de Luz Jedi

Ora, os nossos heróis tinham apenas 2 minutos para derreter a porta e sair dali, para não enfrentarem um exército inteiro de droids armados até aos dentes. Isto implica que a energia total tem de ser fornecida nestes 2 minutos. Logo, a potência fornecida pelas pilhas AAA que estão no Sabre é \(\Rightarrow P_{tot}=\frac{E_{tot}}{120} = 1,02\times 10^8\rm\ J/s = 102\rm\ MW\).

É muito ou é pouco? A Central Termoeléctrica do Ribatejo (no Vale do Carregado, que entrou em funcionamento em 2004) produz 1200 MW de potência em energia elétrica. Quer dizer que o Sabre de Luz do Qui Gon Jin precisa de 102/1200= 8,5% da potência total desta Central, para conseguir derreter a porta de aço em 2 minutos. Espectacular!! também quero umas pilhas AAA desta capacidade.

Epílogo

O meu sabre de luz é uma cópia exata e funcional do sabre do Darth Maul e tem 3 pilhas AAA. Daí concluí que o do Qui Gon Jin também as terá. Muito entusiasmado com estes resultados, liguei-o e encostei-o à porta de casa para a derreter (a bem da ciência). Por volta da meia noite a temperatura da porta já tinha variado de (0 ±1) °C, pelo termómetro.

Há algo de errado com as minhas pilhas mas tenho continuado a tentar. Reportarei os sucessos neste projeto dentro em breve, porque comprei novas pilhas recarregáveis e senti uma voz dentro de mim que me deu ânimo: use the Force, Rui

calor específico
2 anteriormente designado por calor latente