Auto retrato de Almada Negreiros

Em 2017 Almada Negreiros esteve exposto na Gulbenkian e foi inesquecível. Conheci a genialidade dum homem que se expressou numa variedade de temas e técnicas que bem dominou e, ainda hoje, preenchem os sentidos estéticos em muitas dimensões. Este é um dos auto-retratos que lá esteve e não é só uma vulgar ‘selfi’, de sentimentos instantâneos.

Em longas horas o pintor escolheu linhas e outras cores, apagou uns e deixou alguns, arredondou sombras e puxou da luz, mesclou os tons e dividiu-os em si. Sentiu o “self” e como ele era cor, salpicou sentidos e espalhou-se a si.

Destas longas horas lê-se agora o “eu”, do próprio “si”. Sente-se a abstração do mundo e a focagem do olhar num espaço vácuo, onde a vista percorria a geometria delineada que aquele coração vivia.

Há outros retratos onde linhas e sombras evoluem, do traço que adivinha fisionomias à rotação da mesma abstrata, mas sempre sobejam os olhos e a geometria reta, que lhe inscrevem a área duma pálida face.

Quando se é artista consegue-se até… pintar a alma. O Almada era assim.

                                                                           Rui Agostinho, abril de 2018.