A escolha do dia da Páscoa

A Páscoa Judaica comemora a Êxodo do Egipto (1400 a.C.) com Moisés a liderar o povo. Reza a tradição que aconteceu no início do ano, que era associado ao Equinócio Vernal (da Primavera a norte) e foi com a Lua Cheia. Os calendários na Terra tinham início na Primavera e eram lunares, pois é fácil contar os 29,53 dias do ciclo. Aliás, a existência duma Lua tão brilhante é a única razão para a Humanidade cronometrar o tempo civil em meses: as grandes feiras e festas sociais ou religiosas rondavam a luz da Lua Cheia.

Mas um calendário lunar tem os problemas normais: as 12 lunações dão apenas 354 dias e faltam-lhe 11 para repetir o início da Primavera no mês de Nisan. Para ajustar a deriva na data da Primavera, a cada 3 anos (já 33 dias em atraso) os sacerdotes incluíam um mês lunar extra, ano esse que é designado por embolísmico (com 384 ou mais dias). Este acerto do calendário ao ciclo das estações (devidas ao sol) torna a duração do ano civil irregular e leva-nos à designação mais apropriada de calendário luni-solar.

Nisan era o primeiro mês do calendário judaico. Os meses começavam na noite em que o fino crescente lunar aparecia a poente logo após o pôr do sol e um ou dois dias depois da Lua Nova. Daí advém o dia 14 de Nisan para a celebração da Páscoa Judaica, que dependia do início da Primavera. Este início era estimado através dos sinais observados na natureza, pelos sacerdotes do Sinédrio de Jerusalém que o anunciavam ao povo. Assim, nada tinha que ver com a ocorrência astronómica do Equinócio Vernal (1) que à época era 25 de Março (2). Décadas depois, o calendário Juliano facilitou esta tarefa.

A Páscoa Cristã

Quando Cristo vai para Jerusalém celebrar a Páscoa aproximava-se o 14 de Nisan com a Lua Cheia. Aí morre às mãos de Pôncio Pilatos, tal como regista (em ≈116 d.C.) o historiador e Senador romano Cornélio Tácito nos seus Anais, livro 15 capítulo 44: “Christus, from whom the name had its origin, suffered the extreme penalty during the reign of Tiberius at the hands of one of our procurators, Pontius Pilatus…“. Ele ressuscita no 1º dia da semana que era domingo, segundo rezam os evangelhos.

As muitas comunidades cristãs espalhadas pelo mundo abandonaram o sábado como dia dedicado à celebração (último dia da semana), em favor do domingo. A festa Cristã afastou-se da Judaica e as comunidades mantiveram a contagem dos anos e da Primavera de maneira própria, às vezes bem distinta entre si, o que criou discordâncias.

O Imperador romano Constantino I torna-se cristão e no ano 324 domina os impérios do Ocidente e do Oriente. Além disso, desenvolve uma própria teologia cristã expressa numa série de cartas (anos 313 a 320), tem um forte relacionamento com as igrejas cristãs e o seu poder é grande. Nos séculos anteriores houve querelas devido às opiniões sobre a divindade de Cristo, sendo o pior caso o do presbítero Arius de Alexandria, que levou a um cisma. Constantino I que passou a juventude no Oriente convoca um Concílio dos bispos do mundo (ecuménico) para clarificar muitas das disputas, entre as quais a escolha da data única pra celebração da Páscoa Cristã. Também havia interpretações distintas sobre a Ressurreição: no ou após o terceiro dia, seguinte à crucificação.

O Primeiro Concílio de Niceia em 325 d.C. (Iznik na Turquia, muito central) definiu que o mesmo dia de Páscoa deveria ser usado por todos os povos. Mas a escolha do dia foi difícil e demorou décadas. Por exemplo, lê-se em The Seven Ecumenical Councils que “…(c.) At Rome the equinox was supposed to fall on March 18th; whilst the Alexandrians placed it on March 21st.  (d.) Finally, the Romans differed in this from the Greeks also; they did not celebrate Easter the next day when the full moon fell on the Saturday.

Sem elaborar mais neste problema, passaram-se os tempos e convergiu-se para uma solução, usada na Igreja Católica Romana (2): o dia da Páscoa Cristã deve ser o primeiro domingo que ocorre após1 a “Lua Pascal” Cheia. A “Lua Pascal” (um mês lunar) é aquela cujo 14º dia (fase Cheia) coincide com ou é a seguir ao equinócio Vernal de 21 de março. Os meses lunares são contados a partir da Lua Nova (dia 1º). Assim celebrar-se-á bem a Ressurreição de Jesus Cristo, que ocorreu no domingo a seguir à Páscoa Judaica (no sábado) e com Lua Cheia (no 14 de Nisan).

Isto leva a que a Páscoa possa ser o mais cedo possível no dia 20 de Março: se o Equinócio Vernal (num sábado 19 de março, devido à deriva do calendário) coincidir com Lua Pascal Cheia. Mas pode ser mais tardiamente se a Lua Cheia acontecer no dia anterior ao Equinócio a 21 de março. Esperam-se 29,5 dias pela próxima Lua Cheia e nesse dia é 2ª feira. Esperam-se outros 6 dias até domingo, o que dá a Páscoa Cristã a 24 (ou 25) de Abril.

Referência: “The Gregorian Reform of the Calendar: Proceedings of the Vatican conference to commemorate its 400th anniversary“, G.V. Coyne (editor), Vatican City: Specola Vaticana, 1983.

  1. Olaf Pedersen, “The Ecclesiastical Calendar and the Life of the Church”, pág. 17.
  2. J. D. North, “The Western Calendar – ‘Intolerabilis, Horribilis et Derisibilis’; Four Centuries of Discontent”, pág. 77

1NOTA: corrigi a definição da Data da Páscoa, a 31-3-2018 (sábado santo).