A geometria do Arlequim e da Bailarina

O “Arlequim e a Bailarina” de Almada Negreiros que esteve na Fundação C. Gulbenkian. (Nota: o quadro foi assassinado por mim com traços vermelhos, mea culpa.)

Porquê o equilíbrio majestoso em três figuras dinâmicas tão interligadas? Será da geometria apaixonante aqui entranhada?

Há um ponto no escuro mas fulcral: a pata do corcel onde confluem direcções duma dinâmica equilibrada. Esses traços imaginários,

  • guiam a pose em V do bailado, que nos guia a vista no busto e no rosto iluminados;
  • indicam a ausência de esforço na graciosidade da perna ereta, pois mostra-se em leveza sustentada.
  • A diagonal principal é da luz iluminante, tornam louro o equídeo flamejante e projeta-se na base apoiante.
  • O arlequim d’ouro banhado está vertical e repousado, mas as linhas do trajo apontam ao casco atrasado.
  • A perna recuada segue a direção da luz que passou no braço elevado. O arlequim parece em dança sustentado.

A montagem é balanceada entre linhas verticais que apoiam o cavalo e o arlequim à esquerda, uma pata e um braço ao centro e a garupa com a bailarina à direita. Esta senta-se na base horizontal dum corcel perfeitamente equilibrado.

Conclusão: a vista incessante percorre o quadro à procura da razão desta dinâmica descansada. Quer ver tudo e entender porque não consegue afastar-se. Mas repousa ao concluir que é na geometria recôndita de Almada Negreiros que está o substrato fantástico. 

Sai-se daqui a pensar: que pena não poder ter aulas com este mestre.

Epílogo: este tema foge à astronomia mas não é apenas de universo que é feita a vida humana. Da próxima vez comentarei outro arlequim de Almada Negreiros. Não perca.

                                                                           Rui Agostinho, maio-2018
texto inicialmente colocado no Facebook, 8-jun-2017.

O Arlequim e a Bailarina

O Arlequim e a Bailarina é um dos  quadros de Almada Negreiros que esteve na exposição da Fundação Calouste Gulbenkian.

É grande e a vista não larga a composição majestosa que o pintor criou. Ficamos presos à dinâmica do seu equilíbrio e ao claro-escuro das cores aqui escolhidas.

Há um jogo fantástico neste triângulo circense: o corcel de tez clara pousa o olhar nas ordens do arlequim que estático admira a graciosidade da bailarina, símbolo de toda a beleza.

O rico traje do bobo contrasta com o pêlo escurecido do corcel, onde se pousa a feminina graça. Dela realça-se o V do tronco e a face bela, coroada na dança dos braços superiores.

A luminosidade do tema divide-se em duas metades, definidas pela diagonal principal: o triângulo esquerdo inferior é rico de luz e o outro apaga-nos da vista os detalhes ricos do autor. É preciso procurá-los.

Porquê este equilíbrio majestoso em três figuras tão distintas? a geometria apaixonante de Almada Negreiros está aqui impregnada e dá o substrato fantástico a este quadro. Abordarei esse assunto no próximo episódio. Não perca que eu também não.

Notas:
a) a foto tem reflexos no topo superior esquerdo que alteram o quadro original. Aqui fica o pedido de desculpas.
b) Fiquei maravilhado com Almada Negreiros e por isso decidi comentar livremente alguns dos seus quadros. 
c) Para quem não liga à arte, ou só prefere o Rui Ag da astronomia, ou não gosta daquilo que digo.. paciência que isto vai passando devagarinho.

                                                                                              Rui Agostinho, maio-2018
texto inicialmente colocado no Facebook, 7-jun-2017.

A Geometria do Eu Colorido

Quadro de Almada Negreiros que esteve em exposição na Fundação Calouste Gulbenkian (2017).

“A Geometria do Eu Colorido” pode ser um mote para divagar neste Almada Negreiros.

O pensamento delineia-se em camadas e relações. Neste vermelho intenso os olhos vislumbram uma camada profunda, salpicada de manchas irreverentes e um D disforme, agrilhoado na ordem da camada superior.

Mas na base assenta-se o entrelaçado de linhas centradas, angularmente divididas, que definem a seta contínua do pensamento, a diagonal mantida entre círculos alinhados, ligados entre si em círculos maiores, a base do universo.

As criações da alma manifestam-se em retângulos inscritos, coloridos, evolutivos, parcialmente intersectados, num lado transparentes ao mundo, noutro amarelos de opaco, impondo a sua razão.

Não seguem as dimensões de ouro mas apenas de 1,3 entre os lados, 1,26 ou 1,64 com a hipotenusa, que é a mais importante pois guia a ordem do coração. Deste lado do ego, o triângulo inscreve-se em arcos coloridos em diversas matizes de vermelho encarnado, ou finamente recortados por pontilhados, as subtilezas da razão.

A esfera da alma delimita-se no quadrado da razão universal, que foi subdividido em quatro lados, em cambiantes de tonalidades, que mostram os diversos pontos e áreas recônditas do vasto universo.

Nota: Não ligue ao texto mas aprecie o quadro de Almada Negreiros, pois tudo isto é divagação que se sente enquanto se o vê, libertando-se a alma a perder-se na geometria das cores.

                                                                                              Rui Agostinho, maio-2018
texto inicialmente colocado no Facebook, 6-jun-2017.

A Geometria do Amor

Degustar Almada Negreiros torna-se uma descoberta do belo, no fascínio pela geometria.

Neste carvão em papel branco e fundos nublados, dois amantes traçam-se na linearidade dos quadrados, entrecortados por arcos de quadratura, semi ou circunferência, ou quase abatidos em três centros.

As faces de traços aquilinos arredondam-se em geometria perfeita. O pousar das pernas, dele e dela, tocam-se em equilíbrio matemático e suportam-se em pés, os dela delicados os dele em apoio de calor.

Nas linhas cerradas que escondem algo do abraço, a vista percorre os laços e vislumbra os momentos do amor.

Poucos traços, mas ricos de expressão cuidada, um profundo conhecimento do enquadramento geométrico do amor. Isto é um mestre!

Nota: desculpem as sombras na parte inferior produzidas pelos reflexos do vidro que o protege. Esqueçam-se disso e admirem o traço do génio.

                                                                                     Rui Agostinho, maio de 2018.
texto inicialmente colocado no Facebook, 5-jun-2017.