O mundo romano seguiu o Concílio de Niceia (325 d.C.) e celebrava a Páscoa no primeiro domingo que ocorresse após o 14º dia da Lua Pascal (Cheia). Mantinha-se a tradição da Ressurreição de Jesus Cristo que ocorreu no domingo a seguir à Páscoa Judaica (no sábado) e com Lua Cheia (no dia 14 de Nisan). Quem estuda estes calendários em geral confia que, no ano 325, o equinócio Vernal era a 21 de Março tal como mediam os astrónomos em Alexandria, mas não todos (4).
Ora, o calendário Juliano tem uma duração média exata de 365,25 dias = 365d 6h mas a duração do Ano Trópico (o valor médio entre dois Equinócios Vernais sucessivos) é de 365d 5h 48m 45,2s. A pequena diferença por excesso de 11m 14,8s originou um adiantamento secular na data do equinócio Vernal (da Primavera) no calendário civil.
Corria o pontificado do Papa Gregório XIII quando o dia oficial do início da Primavera (21 de Março) andava atrasado em relação ao do equinócio Vernal, que acontecia a 11 de Março. Era um caso seriíssimo (4) pois impedia a escolha correta do Domingo de Páscoa. Arrastava-se desde há séculos e nem os Concílios de S. João de Latrão em 1515 nem o de Trento (em 1563) o resolveram, também devido à discordância dos Protestantes (4).
O Papa Gregório XIII congrega especialistas para resolver este problema do calendário Juliano. Na comissão de nove pessoas (Itália, França, Espanha, Alemanha e da Ásia) há três astrónomos. Antonio Lilio é o único não clérigo e representa as propostas do falecido irmão Luigi Lilio, que farão o cerne da Reforma do Calendário. Ignazio Danti é o segundo, mas a figura relevante é Christophorus Clavius da Companhia de Jesus, que a coordena.
Christoforo Clavio (italiano) ingressa nos Jesuítas e vem estudar astronomia em Coimbra onde conhece a obra de Pedro Nunes. Em 1560 observa ao detalhe um eclipse total do sol onde regista que a totalidade demora tanto quanto recitar o Miserere (1). Em 1567 segue um eclipse anular, em Roma, e ambos os estudos aparecem no seu livro “Commentarius in Sphaeram Joannis de Sacro Bosco” (1570) em que discute o texto fundamental da astronomia esférica de Sacrobosco (séc. XIII). Ugo Baldini (1) refere que a observação feita em Coimbra será provavelmente o primeiro eclipse solar total devidamente documentado.
Clavio tinha estudado o valor da precessão dos equinócios e a duração do ano solar. Em Florença, Ignazio Danti realiza medições da duração do ano Trópico (1574 e 1575) com a esfera armilar em frente da igreja de Santa Maria Novella: deduziu ser 365d 5h 48m (1). Os detalhes são muitos e envolvem os valores de Hiparco, Ptolomeu, Thabit ben Qurra e As-Sufi (3) da Escola de Bagdad (sécs. IX e X), Copérnico, e as suas variações seculares. O debate na Comissão começou pela escolha dos movimentos solar e lunar a usar: os médios ou os verdadeiros? E como fazer uma correção harmoniosa ao calendário?
Escolheram o projecto de Luís Lilio (2) que se baseia no seguinte: A) o excesso de 10 dias nos 1580-325=1255 anos decorridos, mostra que o calendário Juliano introduz 1 dia a mais a cada 125,5 anos, fazendo o dia Equinocial adiantar-se no calendário. Logo, ao fim de 3×125,5 anos = 376,5 anos (≈400 anos) estarão 3 dias a mais, que devem ser retirados. B) havia que corrigir o desfasamento na data do Equinócio. A Comissão, em 1580, entrega ao Papa a proposta de Reforma (imagem no cabeçalho), que depois de analisada aparece na Bula Inter Gravissimas, a 24 de Fevereiro de 1582. Decide que:
- No ano 1582, à quarta-feira 4 de Outubro seguir-se-á a quinta-feira 15 de Outubro, corrigindo os 10 dias necessários para repor o Equinócio a 21 de Março.
- Em cada ciclo de 4 séculos são tirados 3 dias, estipulando que são retirados nos 3 primeiros anos centenários ( _100, _200, _300) que passam a não ser bissextos.
A nova regra, astronomicamente muito mais exacta e simples no uso civil, estipula que os anos centenários não são bissextos excepto se forem múltiplos de 400. Por isso o ano 2000 foi bissexto e 2400 também será. Este é o Calendário Gregoriano que hoje usamos.
Porém, a duração média do Ano Gregoriano é de 365,24250 dias, ligeiramente maior do que o Ano Trópico médio de 365,24219 dias: tem um excesso 0,124 dias em cada 4 séculos. Deste modo, a hora exata do Equinócio Vernal a 21 de Março vem regredindo paulatinamente e passarão 3225,8 anos (a partir de 1582 d.C.) para se acumular 1 dia inteiro, e então ser sempre a 20 de Março. Em consequência, o Anno Domini 4808 não poderá ser bissexto para se repor o Equinócio Vernal a 21 de Março, trazendo a paz ao Mundo. Em alternativa far-se-á a excepção no Anno Domini 4800 que não será bissexto. Aqui fica a minha proposta… mas esperemos para ver.
Referência: “The Gregorian Reform of the Calendar: Proceedings of the Vatican conference to commemorate its 400th anniversary“, G.V. Coyne (editor), Vatican City: Specola Vaticana, 1983.
- Ugo Baldini “Christoph Clavius and the Scientific Scene in Rome” pág. 137.
- G. Moyer, “Aloisius Lilius and the ‘Compendium novae rationis restituendi kalendarium’“, pág 171.
- Jerzy Dobrzycky, “Astronomical Aspects of the Calendar Reform”, pág. 117.
- J. D. North, “The Western Calendar – ‘Intolerabilis, Horribilis et Derisibilis’; Four Centuries of Discontent”, pág. 77